Homenagem Póstuma - À mestra com carinho.

A maioria das pessoas que me conhecem sabe do que estou falando.

Há 13 anos ingressei na nobre instituição do Ministério Público Federal sem sequer saber o que significava esse órgão. Por contingências da vida, fui lotada em um gabinete da matéria criminal (como eu queria) e ali, mal sabia eu, tinha início um ciclo longo, profícuo e sem dúvida, muito marcante para mim.

Em 06 de abril de 1998, tendo ingressado na PRR no dia 02 de fevereiro de 1998, fui indicada pela minha chefe à época - Rosemary Yoshioka - para secretariar a então famosa (negativamente falando) Doutora Jovenilha Gomes do Nascimento. Com as bençãos do secretário regional à época, fui a ela apresentada já devidamente alertada sobre a sua personalidade forte, o gênio irascível e o nível de exigência que impediu qualquer servidor de com ela permanecer por mais de 6 meses.

Ali ingressei para uma entrevista e quando fiz a ressalva que estava na faculdade por isso teria que sair mais cedo, já levei pelas ventas a resposta atravessada de que "quem queria aprender se esforçava para chegar em qualquer lugar e em qualquer horário". Ainda assim aceitei e ali comecei o mais longo dos meus aprendizados.

Da secretaria à assessoria, decorreu apenas 1 ano, tempo para eu me formar e 3 assessores se exonerarem. Não por menos, mas simplesmente porque era muito difícil a cada um deles vencer a barreira da desconfiança que pairava sobre todos os que ali chegavam, em razão de um fato pretérito. Após discussões, cobranças e até ameaças (com real perda do cargo de confiança por 6 meses), consegui aprofundar-me na estima e na confiança dessa Procuradora Regional da República que, em troca, se dispôs a ensinar tudo o que aprendera não só em direito penal mas em posturas institucionais que muito me seriam uteis ao longo da minha vida no serviço público.

Essa parceria afinou-se com o tempo e ouso dizer que praticamente eu adivinhava seus pensamentos ou mesmo suas palavras, que eram menos rápidas que o próprio pensamento, fato que muitas vezes retirava a clareza do pedido. Aprendi a antecipar cada frase que seria posta em um parecer ou recurso. Consegui me capacitar para cumprir qualquer pedido independente do subsídio que me fosse dado. Aprendi a não esperar a informação e sim a ir buscá-la.

A relação extrapolou o gabinete que passou a ser apenas uma parte de nossas vidas. Recebi conselhos, orientações e até confidências exclusivas que muito me revelaram a real personalidade que na verdade, ansiava por expandir-se nas relações naturalmente formais e inerentes ao cargo, mostrando-se uma pessoa justa e muito bondosa no trato das coisas. Posso dizer que disso não me beneficiei, pois sempre tive muito boa fé, mas certamente meus passos se tornaram muito mais suaves nessa espinhosa caminhada dentro do MPF. Principalmente depois que engravidei e vi emocionada o empenho dado por ela naquela hora para me ajudar no que fosse preciso, inclusive, financeiramente se fosse o caso.

Por toda essa completa relação de carinho, de amor quase materno (quantas vezes a frase: "Digo isso aos meus filhos e falo também pra você!"), de aprendizado jurídico e institucional, fiz questão de permanecer ao seu lado até seu ultimo dia de lucidez. Ainda que oficialmente aposentada, o que me desincumbia de qualquer ônus, recebi o pedido de assessoria pessoal, que atendi prontamente dada a gravidade da situação.

E tive o privilégio de acompanhar e estar perto em seu último momento lúcido, quando fomos agraciados (eu, seus filhos e alguns poucos amigos que por ali estiveram) com sua gentileza, agradecendo nossa presença e dizendo que aquilo tornava a vida feliz.

Após essas poucas horas, inclusive ali me passando algumas orientações e ordens, ela entrou em sono sedado para não mais acordar nesse mundo. Senti-me honrada com essa deferência. Achei justo em todo esse tempo de história, estar presente ali, no seu ultimo momento, ainda que não soubesse disso. Lamentei, pois ainda confiava que ela venceria essa guerra. E por essa razão, deixei de levar a pequena Sofia para conhecê-la.

Fora isso, nada mais tenho a lamentar. Fiz tudo o que podia e estava ao meu alcance, inclusive, nunca me privando de dizer o quanto ela era importante pra mim e tinha sido no meu aprendizado.

E de repente, ela partiu. Em silêncio, deixando atônitos a todos nós que não tínhamos nunca relacionado a palavra morte à sua pessoa invencível, ficando apenas a singela homenagem à sua passagem marcante, de frases notáveis e gênio controverso.

Doutora, leve consigo meu carinho e toda a saudade que fica desse ciclo que oficialmente se encerrou em 18 de novembro de 2011. Agora, como a senhora mesmo sempre me dizia: "é ir tocando, afinal, o cavalo não passa selado duas vezes".

Seguindo mais uma vez seu conselho, busco hoje uma vida melhor para mim mesma e também para minha filhinha. Para minha mãe e irmã e para todos aqueles que amo. E sei que dessa vez, eu vou conseguir.  Agora, só me move a vontade de viver esse futuro, esse futuro que brilha e a que faço jus, como a senhora tantas vezes atestou.

Doutora Jovenilha Gomes do Nascimento, fica com Deus, no espaço especial que certamente Ele lhe Reservou.

Comentários

  1. Lu, me emocionei mesmo sem conhece-la... Certamente deixará saudades.
    Sálua

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  2. Você descreveu muito bem tudo o que ela sempre soube nos ensinar, de vida e de Direito. Eu não teria um terço da minha postura profissional não fosse o que aprendi com ela. Perdemos uma mãe. Como filhos, devemos levar adiante tudo o que ela nos ensinou, e fazermos as coisas de forma justa e correta na vida, e com muita firmeza. Não sendo assim, o que a gente faz não serviria para nada. Parabéns! E para a tristeza geral da corrupção e da bandidagem, continuamos "jovenilhando". Graças a Deus! E que Ele sempre a abeonçoe. Beijos, Wander

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  3. Nossa Lu que beleza, vc deveria escrever um livro,sempre me faz chorar,tudo bem que não sou referência,mas realmente vc é boa nisso,qto a homenagem, com certeza ela foi para vc uma pessoa muito especial e te ajudou em momentos
    que eram necessários, assim como vc a ela,foi uma troca de amizade e carinho além claro das questões profissionais.Ela foi amparada e será guiada por nossos amigos espirituais,pois com esse grande amor que narrou os fatos e que sentiu verdadeiramente com certeza eles vieram ao encontro dela graças as suas vibrações de real e sentida dor. Beijos te amo Adriana

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  4. São pessoas assim que nos fazem crescer, não só como profissionais mas como pessoas. Eu entendo vc porque também tive um grande mestre Dr. Diógenes Gasparini que como a Dra Jovenilha nos ensinou a trilhar nossos caminhos com muita ética e responsabilidade. Aos nossos mestres todo nosso respeito e carinho e nossa homenagem será seguir sempre o que eles nos ensinaram.

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  5. Obrigado, queridos! O Wander, que também conviveu com ela, definiu bem a situação. O tesouro nos foi entregue e será bem utilizado. Por isso, bandidagem, fiquem ligados. Estamos aqui! Valeu Dri, minha mais que prima e querida Sálua! Dona Maria, é isso mesmo. Ética foi o que ela sempre primou! E isso nos deixou também como legado. Grande beijo a todos vocês!

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  6. Edemir de Oliveira Marques10 de outubro de 2013 às 19:43

    Lu, minha querida, fiquei tão chocado com a notícia do desencarne da Dra. Jovenilha que resolvi buscar mais informação na internet e, surpreso, encontrei essa sua belíssima homenagem. Quanto sentimento, quanta emoção, quanta verdade. Diferentemente do que você narrou, não conheci uma pessoa de temperamento forte. Ao revés, em todos os momentos em que com ela convivi encontrei uma pessoa extremamente boa, simples de fala mansa e pausada e que muito me ajudou. Já não consigo mais tirá-las do pensamento (você e a doutora). Todo o meu melhor pensamento pra vocês. Peço licença para transcrever um texto de Victor Hugo falando sobre a morte:
    Quando observamos, da praia, um veleiro a afastar-se da costa, navegando mar adentro, impelido pela brisa matinal, estamos diante de um espetáculo de beleza rara.

    O barco, impulsionado pela força dos ventos, vai ganhando o mar azul e nos parece cada vez menor.

    Não demora muito e só podemos contemplar um pequeno ponto branco na linha remota e indecisa, onde o mar e o céu se encontram.

    Quem observa o veleiro sumir na linha do horizonte, certamente exclamará: Já se foi.

    Terá sumido? Evaporado?

    Não, certamente. Apenas o perdemos de vista.

    O barco continua do mesmo tamanho e com a mesma capacidade que tinha quando estava próximo de nós.

    Continua tão capaz quanto antes de levar ao porto de destino as cargas recebidas.

    O veleiro não evaporou, apenas não o podemos mais ver. Mas ele continua o mesmo.

    E talvez, no exato instante em que alguém diz: Já se foi, haverá outras vozes, mais além, a afirmar: Lá vem o veleiro.

    Assim é a morte.

    Quando o veleiro parte, levando a preciosa carga de um amor que nos foi caro e o vemos sumir na linha que separa o visível do invisível dizemos: Já se foi.

    Terá sumido? Evaporado?

    Não, certamente. Apenas o perdemos de vista.

    O ser que amamos continua o mesmo. Sua capacidade mental não se perdeu. Suas conquistas seguem intactas, da mesma forma que quando estava ao nosso lado.

    Conserva o mesmo afeto que nutria por nós. Nada se perde, a não ser o corpo físico de que não mais necessita no outro lado.

    E é assim que, no mesmo instante em que dizemos: Já se foi, no mais Além, outro alguém dirá feliz: Já está chegando.

    Chegou ao destino levando consigo as aquisições feitas durante a viagem terrena.

    A vida jamais se interrompe nem oferece mudanças espetaculares, pois a natureza não dá saltos.

    Cada um leva sua carga de vícios e virtudes, de afetos e desafetos, até que se resolva por desfazer-se do que julgar desnecessário.

    A vida é feita de partidas e chegadas. De idas e vindas.

    Assim, o que para uns parece ser a partida, para outros é a chegada.

    Um dia partimos do mundo espiritual na direção do mundo físico; noutro partimos daqui para o espiritual, num constante ir e vir, como viajores da Imortalidade que somos todos nós.

    Beijos!

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    1. http://mundocomsofia.blogspot.com.br/11 de outubro de 2013 às 09:14

      Poxa, Edemir você me fez chorar! Não só por suas palavras, mas por esse texto lindo, que eu não conhecia e que traduziu em palavras, o que sempre pensei sobre a morte.

      Peço a você desde já, licença pra utilizar esse texto em futuros escritos, pois certamente ele condiz com esse tema, que sempre ressoa em minha mente, a perda, ou o ganho, que a morte imprimi em nossas vidas!

      Amigo, mais que nunca, vamos marcar um reencontro! Se vc vir a sampa, quem sabe reunamos os bons dos velhos tempos! Ou se eu for a Santos, te aviso, com minha família e a sua, para rever e matar saudades dos bons papos! Você é um puta cara considerado, desde aquela época! Torço por seu sucesso! Abraços!

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