Cada um no seu quadrado...



Parece letra de funk mas não é. Volto a esse espaço para tratar de um tema que desde priscas eras me desperta o interesse. Enquanto passageira nos carros, que iam e viam, pequena, costumava (ainda costumo) olhar pelas janelas acesas das casas passando, e imaginar o que estaria se passando dentro de cada lugar. Cada casinha ou casão, sobrado, mansão, barraco. Espiava cada ponta de móvel, guarda-roupa, estante, via gente...e imaginava, será que estavam felizes? dentro de suas casas, vivendo suas vidinhas.
Nelson Rodrigues, de quem não gosto, costuma escrever sobre as misérias que se passam nos recônditos dos lares e famílias, onde cada criatura deixa extravasar seu lado mais obscuro em prol do desejo mais humano e profano que carrega.
Não era esse o meu sentimento mas esses dias voltei a me deparar com o dito cujo, pois morando em um condomínio com 8 blocos de nove andares, são tantas janelas para eu elocubrar...tantas luzinhas para tentar descobrir quanta gente feliz e triste, vivendo tão perto de nós....e também muita gente doida, reclamona ou angustiada. E também os maníacos, os mau-caráter ou mesmo bandidos.
Afinal, eles também precisam de um endereço.
E tanto é que meu condomínio, tão pacífico, tranquilo, passou por um episódio nebuloso há poucos dias. Tudo tão bonito e  paisagisticamente arrumado, mas teve seus dias de "sai de baixo", quando um morador foi flagrado em situação suspeita com uma criança, menina, pequena.
Agressão, ameaça de linchamento, prisão, polícia, tudo o que tem direito...mas... corta aqui para mim que não é disso que quero tratar.
Ontem, ao chegar em casa, nos deparamos com gemidos, gritos, lamentos, oriundos de uma unidade que pensávamos ser do nosso bloco. Aqueles lamentos de levantar defunto, em velório dos mais lamentosos, que fazem o cristão mais duro se comover. Em princípio, indefinidamente, pensamos em brincadeira de moleques, surra de criança (ó a lei Menino Bernardo), mas passado o tempo e continuando aquele som que entrava varando cada espírito do Villagio, resolvi olhar pela janela e qual, me deparei com aquela multidão lá embaixo olhando para onde? 
Pois é....o meu filho, corta aqui para mim de novo...

Ela morava só com o filho. No sétimo andar daquele bloco, já passados os 70 anos de idade e seu filho, os 40. Os dois, sempre com a TV ligada (eu e minha mania de ficar olhando as janelas ao longe), em sua vida pacata e tranquila (nem tão pacata e tranquila quanto se imaginava), a sacada cheia de plantas e ninguém suspeitaria que ali, naquele apartamento modesto, vivia um homem que gostava de perseguir criancinhas (Agora vocês viram o próprio Marcelo Rezende, não!?).

Pois é, os lamentos e gemidos vinham da mãe do próprio. Daquele um, que dias atrás fôra preso por atitude suspeita e ameaçadora com a filha de um dos vizinhos. Sabe se lá o que ela, àquela altura do Campeonato (Copa do Mundo) ficou sabendo, para surtar daquela forma. O filho, sua companhia diária, segue preso. Não foi dado flagrante pela menina, mas o teria sido pelo conteúdo do computador e então, ontem, aquela hora da noite, algo ocorreu.

E o soar daqueles lamentos caiu sobre todas as nossas cabeças, como a tempestade que lava e derruba, trazendo a dor que em si própria encerra o peso de toda a angústia vivida por aquela mulher que, não obstante, é uma mãe. Porque o sujeito, não se sabe ainda se culpado ou inocente, é filho dela. E ela, é a mãe. A mãe que sempre chora o filho perdido porque o teve arrancado dos braços e quiçá, nessa hora é confrontada com sua própria parcela de responsabilidade ou de culpa, porque pensou naquele momento, que a culpa era daquele que acusava seu próprio filho.

E o certo, é que naquelas janelas verdinhas e tranquilas daquele condomínio pacato, muito drama se desenrola, enquanto entramos e saímos dos nossos carros; enquanto nossas crianças brincam nos parques e nossos maridos jogam bola. Conversas parceiras com os porteiros e o zelador, risadas entre vizinhos e muita coisa boa, podem ocultar dramas íntimos muitas vezes não compartilhados, que um dia eclode na lamentação ouvida a quilômetros de distância.

E o mais que cada um faz é permanecer inerte, quando muito ligar 190, para que a autoridade tome lá as providências que entender cabíveis, mas não tomar para si parte da responsabilidade de compartir o drama do outro, ser solidário, acalmar, tentar compreender. O lema de hoje, em que mais vale o que se tem do que o que se é, é o mesmo que um dia embalou as pessoas por aí fora, balançando-se em seus salões, alheias e continuam alheias ao dramas alheios, repudiando aquilo que somente lhe afeta, ainda que ao mínimo, pois o melhor é cada um no seu quadrado.

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