As vezes, a vida não é tão Bella.


Fico aqui perdida no emaranhado de crimes e pensamentos que se embatem em uma luta feroz entre o que devo fazer e o que efetivamente faço. Devo estudar as inúmeras nuances de roubo, suas qualificadoras e sua natureza mas não consigo parar de pensar na fragilidade da vida e no fato concreto que me assombra desde hoje a tarde e que me leva à inúmeras reflexões.
A morte sempre me impressionou e não é de hoje, quem me conhece tá careca de saber, o quanto ela me abala. Por vezes, quem nem conheço, basta ter uma morte cercada de determinadas circunstâncias, que é o suficiente para mexer no mais profundo das minhas entranhas e revirar o meu dia, tornando-o completamente diferente em mais de 50 tons de cinza.
E não seria diferente nesse caso, apesar de tão pouco conhecê-la, em apenas dois encontros, que me trouxeram muita impressão, em razão, não sei, do seu silêncio eloquente, da meiguice e timidez tão incrustrada, com que se aproximou para me indagar a respeito da parca refeição com que me servia naquela primeira festa de aniversário a que eu comparecia após longa quarentena pós parto?
E ali nos reencontrávamos, já sabendo que havia ela se submetido, assim como eu, à cirurgia bariátrica, após longos anos de luta contra a obesidade renitente, aproximando-nos talvez por essa única identidade de situações, eis que sim, na longa estrada da vida, eu já nos meus 37 e ela sequer chegada nos 30 anos, apesar de pertencermos à mesma família, havia nos visto por apenas 2 vezes em tão extremas situações: um velório e um aniversário.
Sempre tive grande interesse por tudo o quanto se relacionava à imensa família do meu lado paterno. Talvez porque dela nos apartamos cedo, vindo pouco a frequentar seus lares e situações, poucos eu conheço efetivamente: alguns lembro de nome ou fisionomia mas a imensa maioria eu realmente não conhecia. E desse interesse é que vou sempre me informando, um a um, até porque se trata da minha própria ascendência, a respeito de suas histórias e seu grau de parentesco, eventuais laços que nos unem, despertando alguns minha imediata afinidade, assim como outros minha eterna antipatia.
Marcou-me no velório do meu tio Luís Roberto, e ali tive oportunidade de conhecer muitos familiares, 3 personalidades; uma delas, essa que agora vos falo e que não sei porque razão, e de fato não sei, mas que despertou-me a curiosidade e o interesse; não sei se pela beleza do nome ou se pela mítica (ao menos para mim, dos tempos da infância, claro) história de seus pais (que por sinal, eu não sabia que tinham uma filha), se pela profissão já tão jovem (médica, aos vinte e poucos anos), enfim, mas fomos reciprocamente apresentados e ali não passou desse fato, enquanto todos relembravam fatos antigos e o velório seguia seu rumo.
Até o aniversário da Ana Carolina, filhota da minha prima Chuvis, quando a reencontrei, e deu-se o referido diálogo, em que ela, já operada do estomago, sabedora que eu tinha operado, veio me perguntar, surpresa, a respeito do tamanho do meu prato (e olha que era pequeno). Conversamos e eu insisti que ela estava comendo muito pouco (havia comido uma coxinha – míni há horas e não sentia fome) e ao relatar que sentia náuseas, não conseguia comer, aconselhei-a procurar um psicólogo da equipe dos cirurgiões e nos despedimos, com meus costumeiros votos de sucessos e a esperança de que mais um novo magro, estaria em breve dando seus saltitantes e alegres pulinhos, pela vida de solteira, feliz e marota.
Mas qual não foi a minha desagradável e arrebatadora surpresa, quando a notícia chegou hoje, final de tarde, de que ao revés da esperada vida alegre e solta que desejei a ela, não, disse minha prima, a Chuvis, ela mesma. “Sabe quem morreu?”
Então. Volto eu. Fico aqui pensando em como podemos passar ao largo da vida e não sermos notado em nossos tramitares dolorosos. Será que nossa fragilidade é tão oculta que ninguém percebe para vir nos ajudar? Será possível que não há ninguém que nos corrija a rota? Será que nesse mundo é tão equivocado o conceito que nos move, que não dá tempo de voltar atrás um segundo e aproveitar a proximidade dos nossos entes amados, esquecer as picuinhas, os defeitos e curtir o quanto podemos aquilo que nos é tão caro? E preservar nosso corpo, cuidar da nossa saúde, amar-nos como devemos? Será que não fazemos isso como um dever, por quê? Ficamos doentes e ninguém percebe? Até sermos encontrados mortos em nossas casas, por uma doença desconhecida, um mal-súbito, uma parada cardíaca, um sei lá o que, com 30 anos??????
Será que só perceberemos a preciosidade das pessoas quando elas partirem dessa para a melhor?
Infelizmente, quando isso se consumar, não haverá como correr atrás do prejuízo. Ou mesmo na frente dele. Teoria do fato consumado. E nem Chapolim poderá nos salvar. Fico lembrando de uma colega de procuradoria, não a conheci, mas coincidentemente, no mesmo dia em que meu Tio Luís Roberto faleceu, esse mesmo em que no seu velório conheci a Anabella, chegou nos a notícia que ela havia pulado da janela do seu prédio.
Comoção geral. Tranquei-me no banheiro, aterrorizada, lembro, como lembro onde estava ao receber a notícia da morte do meu tio Lu (ah, a morte para mim...) e ajoelhada, rezei por mim, por nós vivos, mais que por ela, pois o que éramos nós, nesse mundo, se não conseguíamos enxergar alguém ao nosso lado, tão precisado de uma companhia, de uma palavra, de um abraço?
Piegas eu? Não! Ou se quiser chamar assim, que o faça. Mas prefiro me considerar alguém que ainda acredita na teoria pura e simples da amizade sincera, de ajudar o próximo com aquilo que temos de mais fácil acesso: o sentimento. A emoção. Tá fácil, é de graça e você tem a qualquer hora, ao seu alcance. É só deixar fluir para o outro. Sem delongas. E certamente você poderá transformar a vida daquele ser mais sozinho em algo um pouco mais digno dele viver. E quem sabe evitar algumas coisas. Ou até curar umas doenças aqui e ali.
Pronto falei. E me senti melhor. E agora posso estudar.
Anabella, desculpa não ter conhecido você há mais tempo. Poderia ter aplicado toda essa teoria ai e quem sabe fazer algo de bom. OU não, de repente o destino era esse mesmo, já que a vida é um grande aprendizado para todos.
De qualquer forma, agora é tarde. Não há o que lamentar. Poderíamos ter sido grandes amigas, talvez. Mas tenho certeza que você está com Deus. Você parecia uma menina fofa e meiga. Seu nome dizia isso. E Deus não deixa meninas assim sozinhas. A solidão só está do lado de cá. Fique em paz. Faremos o mesmo por aqui.

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