Um breve "Xau"
Inevitavelmente eu faria isso. Não havia como não fazê-lo. Pessoas importantes geram a necessidade de você desafogar de alguma forma a dor que sua partida acarreta no círculo do mundo. Hesitei em começar porque a exasperação da dor nos torna piegas, imoderados, dramáticos. Busquei no entanto, até como uma forma de extravasar esse rodamoinho de pensamentos que fervilhavam em minha mente, já há muitos dias, escrever esse texto, materializando no papel todo o sentimento, emoção, sensação, lembranças, enfim, que me vão na alma.
A perda é inevitável a certa altura da vida do ser humano. E se ele tiver sorte, será a partir desse momento somente - e não antes -, quando ele alcança a vida adulta, e aqueles que fizeram parte de sua jornada, deixando marcas em toda a sua história, vão, por sua vez, chegando ao crepúsculo da vida, começam a partir, que as perdas inevitavelmente começam a impregnar a vida tanto quanto os ganhos.
Cumprindo sua missão, muitas vezes por velhice, outras vezes por doença, essas pessoas que você acostumou a olhar debaixo para cima, como homens e mulheres fortes e conhecedores do mundo e da vida, imponentes e seguros da própria caminhada, de repente se vêem na condição inversa, a mercê da fragilidade que os anos de vida, alquebrantando o corpo, inevitavelmente acarreta a todos (que tiverem sorte).
É nesse espírito que começo a relembrar o quão importante e sentida está sendo essa perda em minha vida...mais uma, nesse curto período, em que por mais que me eu preparasse para o inevitável finalle, e eu sabia que ele chegaria...
Só não sabia eu quantas músicas, quantos lugares, quantas fotos e fatos me fariam lembrar da sua constante presença, desde tão cedo, em minha vida tornariam duro esse momento....
Pois se não foi com meu Tio Wilson, esse que engendrou sua última viagem em 31 de agosto último (e claro, sempre junto com minha Tia Nanci), que conheci alguns ícones importantes da minha infância, como por exemplo, o Mac Donald's, após intermináveis sessões de cinema, a que éramos levados com grande periodicidade, para assistir os lançamentos de "Os Trapalhões".
Aquelas incursões pelo centro antigo de São Paulo e seus cinemas, que à época eu nem sabia o nome, imponentes e que aos meus 9 anos, pareciam integrar um mundo novo, quase irreal para quem vinha do longínquo Tatuapé, praticamente um Sítio do Pica-pau Amarelo!
Foi também com eles que vivi muitas praias e ia aos finais de semana, para Caraguatatuba, com incontáveis retornos no porta-malas da Brasília, com a tampa aberta, eu, meu irmão, meus primos, balançando as pernas contra aquela lataria quente, azul escura, salgados e sujos de areia, felizes como os ganhadores da Mega sena acumulada....
Nessas viagens foram também que aprendi minhas primeiras dicas de direção em rodovia: "olha (com uma mão ao volante e a outra espalmada para cima, enfatizando), quando o cara frear láááá na frente, você já freia aqui atrás, senão..."
Lembro das incontáveis noitadas em que, revezando com a minha mãe, e alta madrugada (naquela época era alta, hoje, ainda é cedo da noite), quatro da manhã, iam nos buscar sonados para levar de volta em segurança, eu e a 'bonecáa' da minha prima, Adriana, de volta para casa, já caindo pelas tabelas no banco de trás...
Na fase adulta não foram menos relevantes os momentos, já que coincidentemente, a sua aposentadoria coincidiu com minha licença maternidade, avolumando os encontros, por um tempo espaçados, em que eu, com minha pequena, proibidas de sair de casa, só tinhamos 2 destinos: casa da bobó, casa da zema e do zemo. E lá chegavamos nós, após passar na Padaria Perfil ("Essa é boa!!"), minha mãe me pegava no apto, e vamos tomar café com o Tio Wilson. Vou eu agora comprar frios pro café sem lembrar dele, como!? Até o jeito de mexer a colher na xícara...
Inúmeros lances foram debatidos por nós, desde minhas idas e vindas com o Rodrigo, que ele opinava e torcia por nossa volta, até assuntos mais comezinhos, como o dia a dia da procuradoria e os famosos "copos d´'agua', como se referia aos saudosos happy hours, de que outrora eu participava ativamente e hoje, apenas ocasionalmente é que dou as caras.
Mas é fato, que qualquer toma lá dá cá aquela palha, lá íamos nós para "a caza do tio ixo", como aprendeu a Sofia a se referir a ele, nesses seus quase 2 anos de estreita convivência. Não tem como não sentir a perda...
E os bordões históricos!? "LE pochiche", "vou pendurar a toalha", "carabinieiri", "Dá uma girada vai" (no controle remoto) e outros tantos que demonstravam sempre uma singeleza quase pueril, no expressar dos pensamentos, geralmente engraçados..
No entanto, a doença chegou e apesar de toda a sua força, foram se perdendo ao longo do tempo, tudo o que de melhor havia naquela pessoa alegre, ruidosa, espontânea. É, meu Tio Wilson, e agora o que fazer? A descoberta da doença crônica e incurável foi um peso que trouxe a todos muitas reflexões. Mas ainda assim, seguiu-se a vida, com suas dificuldades, suas tristezas e alegrias, silenciosamente a doença nos subtraindo tudo o que tínhamos ao nosso redor e transformando em silêncio e privações o que antes eram apenas consequências de nossas próprias vidas.
E não foi fácil constatar, quando efetivamente você nos deixou que, na verdade, você há muito, nos havia deixado. Há muito não entrava em nossa casa e dirigia-se a passos largos para o alto da estante, para deixar a carteira e o óculos. Há muito não cantava o 'carabinieiri' da canção ou espalhava-se pelo quintal, nos bons churrascos, que ficamos devendo a você fazer, porque nós mesmos não nos sentíamos com coragem para nos reunir.
No entanto, ainda assim, faz falta. A sua presença quieta, reflexiva, mas presente. Sempre presente. Em todos os nossos momentos, todos, que é difícil conviver com esse silêncio eloquente, com aquela cadeira vazia. Quase aquela música antiga "naquela mesa está faltando ele..."
Mas restam as lembranças, as sólidas lembranças, que em verdade transformam essa perda quase em um sonho, como se nunca você tivesse partido, e tudo ficasse não como uma partida, uma viagem, mas simplesmente como um breve "Xau", entre os tantos que já nos demos, com a certeza que o 'fala Bonecáa", não tarda a voltar.
Meu Deus Lu, que lindo, que homenagem maravilhosa, estou aqui me debulhando em lágrimas,chorando copiosamente,tanto pelas palavras sempre tão bem colocadas,quanto pela falta dele,nossa dói demais não ter mais ele por perto,mesmo que enchendo o saco, repetindo sempre as mesmas coisas,enfim, daquele jeito dele,que tão bem conhecíamos,é muito triste ter só na memória que vc conhecia desde que nasceu,a separação é extremamente dolorosa, porém necessária, cabe a nós somente ter essas lem branças em nossos corações e acalentar a esperança de um dia nos reencontrarmos.Beijos Lu vc precisa escrever um livro, parabéns,te amo.Adriana
ResponderExcluirDri, lendo teu comentário, choro também. Tá difícil mesmo, reconheço. Passo todo dia, no caminho do Paulistano. É osso. Esses dias quase escrevi de novo. O negócio ia ficar ainda pior. Então pensei> ele não ia gostar desse drama. Diria "é foda, lu" (para mim, ele dizia, porque eu usava com ele esses termos). Então, desencanei. Vamos trabalhar duro por dentro, para superar. O problema é que foram muitos anos de presença contínua. E AINDA é muito recente. Mas VAI PASSAR, é um fato. Apenas TEMOS QUE DEIXAR PASSAR, encontrando mais coisas que nos alegrem, valorizando nossa alegria e nossa união e os pontos positivos que ele gostava. Com isso, conseguiremos seguir em frente, mesmo com essa dificuldade. mas reconheço: não achava que seria assim difícil. Tamo junto. E pára de chorar. Você é mais bonita sorrindo. Te amo também. Desde pequena. beijos.
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